O uso de animais em pesquisas e experimentos médicos vem sendo aplicado há muitos anos. Quase todos os remédios, dispositivos médicos, procedimentos cirúrgicos e terapias que temos hoje foram obtidos através de testes e pesquisas em animais.
Se você já tomou antibióticos, vacinas, fez uma transfusão de sangue, quimioterapia ou mesmo usa algum produto cosmético, provavelmente se beneficiou da pesquisa com animais.
Apesar de possibilitar inúmeros avanços para a medicina e biologia, ajudando a entender o funcionamento do corpo, o mecanismo de diversas doenças e o desenvolvimento de novos medicamentos, ainda hoje o seu uso é alvo de intensos debates éticos.
Felizmente, diversos métodos alternativos têm sido desenvolvidos para mudar essa realidade. Muitos pesquisadores estão procurando maneiras de reduzir o uso de animais em testes e pesquisas. Devido a inovações na ciência, testes em animais estão sendo substituídos em áreas como testes de toxicidade, neurociência e desenvolvimento de drogas.
A cultura de tecidos é uma dessas alternativas e está impactando positivamente a saúde humana, além de reduzir o número de seres vivos em pesquisa.
Porque os animais são usados em pesquisa?
Embora animais e humanos possam parecer diferentes, em um nível fisiológico e anatômico eles são muito parecidos.
Os animais, de ratos a macacos, têm os mesmos órgãos (coração, pulmões, cérebro, etc.) e sistemas de órgãos (respiratórios, cardiovasculares, nervoso, etc.) que desempenham as mesmas funções quase da mesma maneira.
A semelhança significa que mais de 90% dos medicamentos usados para tratar animais são os mesmos ou muito semelhantes aos desenvolvidos para tratar pacientes humanos. Existem, claro, pequenas diferenças, mas são superadas pelas semelhanças.
Cerca de 95% de todos os animais de laboratório são ratos e camundongos. Pesquisadores gostam de estudá-los, pois a maneira como seus corpos parecem e trabalham internamente é muito semelhante ao funcionamento do nosso. Isso porque compartilhamos aproximadamente 99% do nosso DNA com camundongos.
O genoma desses animais contém basicamente os mesmos genes encontrados no genoma humano. Portanto, estudar como esses genes funcionam em animais, como camundongos, pode também auxiliar na descoberta de novas funções e características envolvidas com problemas que afetam a saúde de humanos.
Etapas que envolvem testes de medicamentos e tratamentos
A pesquisa e testes em animais geralmente são o primeiro passo para entender a segurança e as dosagens de novos medicamentos e tratamentos médicos.
O teste de drogas e rastreios toxicológicos, que são úteis no desenvolvimento de novos tratamentos para doenças, é o objetivo principal. Os animais servem como uma ferramenta para entender seus efeitos no organismo.
Por lei, medicamentos devem passar por diversos testes in vivo, ou seja, com seres vivos, antes da sua aprovação. Para descobrir se uma droga é segura e eficaz, inicialmente é testada em animais e só depois em humanos.
Estudos em seres vivos forneceram o conhecimento científico que permitiu a melhoria da qualidade de vida tanto de pessoas quanto de animais, prevenindo e tratando doenças e distúrbios. Esse conhecimento contribuiu para o aumento da expectativa de vida das pessoas, que passou de 47 anos em 1900 para 78,8 anos hoje.
No entanto, o uso de métodos in vitro nas etapas preliminares diminui significativamente o uso de seres vivos nas etapas seguintes. Além disso, pode diminuir o custo e aumentar as possibilidades de direcionar as moléculas com características de toxicidade já conhecidas e, até mesmo, eliminar aquelas cuja toxicidade será elevada.
Número de animais utilizados em pesquisa
Estatísticas dos EUA estimam que, em 2016, o número de animais de laboratório utilizados em pesquisa foi de 820.812. O gráfico mostra a divisão de diferentes espécies utilizadas. É importante ressaltar que as estatísticas não incluem ratos, camundongos, pássaros ou peixes, já que esses animais não são cobertos pela Lei de Bem-Estar Animal – embora ainda estejam protegidos sob outros regulamentos.
Na União Europeia, 93% da pesquisa é conduzida em animais que não são contados sob o US Animal Welfare Act. Se o mesmo fosse verdade nos EUA, o número total de animais utilizados na pesquisa seria de aproximadamente 12 milhões.
Aspectos éticos da pesquisa com animais
Desde o princípio da medicina, antes mesmo da Grécia antiga, os animais eram usados em experiências. Seja para entender a fisiologia dos órgãos e sistemas ou mesmo para aprimorar as habilidades em cirurgias. O renomado bacteriologista Louis Pasteur também contribuiu para a validação dos métodos científicos com o uso de animais, ao estabelecer relações entre as enfermidades humanas e as doenças em animais.
A crueldade com os animais e questões éticas envolvendo as pesquisas foram discutidas desde sempre. No entanto, os avanços que os testes proporcionavam também eram indiscutíveis, ajudando a salvar milhares de pessoas a cada nova descoberta.
No século XIX a prática da ciência biomédica, a farmacologia e toxicologia ganharam mais importância e com elas houve o aumento do número de cobaias para testes.
Então em 1842, a Inglaterra cria a primeira organização protetora dos animais, a Sociedade Britânica para Prevenção da Crueldade com Animais.
Em 1959, a publicação do livro “Principles of Human Experimental Technique” pelos pesquisadores William Russel e Rex Burch iniciou o movimento de proteção aos animais usados em pesquisa, implantando o princípio dos 3Rs.
Hoje existem diversas leis de proteção aos animais e a condição de estudos com cobaias exige acompanhamento e regulamentação realizada por diversos órgãos competentes.
Princípio dos 3R (Replacement, Reduction e Refinement)
Os 3R correspondem às suas iniciais em inglês Reduction (redução), Refinement (refinamento) e Replacement (substituição).
O objetivo da redução é diminuir o uso de seres vivos utilizados. Embora eles sejam necessários, podem-se usar outros meios antes de se chegar a essa fase. O refinamento busca minimizar a dor e o estresse do animal através de melhores condutas na pesquisa. E por fim, a substituição, que procura métodos alternativos substituindo assim o uso de animais nos experimentos.
Além de promover o bem-estar do animal, esses princípios estimulam o desenvolvimento de melhores modelos e ferramentas que se aproximam mais da biologia humana, com maior possibilidade de previsão da eficácia e segurança.
Cultura de células e tecidos como alternativa à pesquisa com animais
A cultura de células e tecidos é uma alternativa muito eficiente que levou a avanços científicos significativos, impactando positivamente a saúde humana. Sua aplicação possibilitou ainda a redução do número de animais utilizados em pesquisa.
Ao utilizar células e tecidos cultivados in vitro os resultados também podem ser mais relevantes e reprodutíveis, uma vez que o controle do experimento é maior e mais fácil, além de se aproximar mais das características humanas.
Embora o cultivo in vitro tenha algumas limitações e não consiga ainda simular inteiramente a complexidade do sistema in vivo (como a resposta do sistema circulatório ou nervoso), apresenta-se como uma ótima alternativa para substituição ou mesmo redução do uso de seres vivos.
No cultivo celular, as células podem ser retiradas diretamente de um animal ou ser humano (células primárias) e usadas para uma variedade de experimentos. O cultivo de linhas celulares imortalizadas (HeLa), por exemplo, evolui continuamente, sendo aplicada em um número cada vez maior de pesquisas contribuindo com os princípios dos 3R.
Outro ponto positivo é que a técnica é amplamente aceita na comunidade científica. Pois, fornece resultados confiáveis e reprodutíveis, gerados em um tempo menor, além de ter um custo mais baixo se comparado a experimentos com seres vivos.
Pele em 3D para teste de cosméticos
A cada dia novas alternativas são desenvolvidas para substituir os testes em seres vivos. A pesquisadora brasileira Carolina Catarino foi premiada pelo Lush Prize 2017, destinado a descobertas de testes que eliminem o uso de seres vivos.
O uso de coelhos e ratos para testes de cosméticos ainda é realizado em alguns países. Em sua pesquisa, Catarino desenvolveu um modelo de pele humana reconstruída in vitro para testar toxicidade. Assim, produtos podem ser testados quanto à irritação e corrosão antes de chegar ao paciente.
No Brasil, a Anvisa, que regula a produção de cosméticos, determina alguns critérios quanto ao uso de seres vivos para esse fim. As cobaias só são permitas para avaliar irritação e corrosão da pele, irritação ocular e toxicidade aguda. No entanto, uma nova norma estabelece que a indústria de cosméticos deve usar métodos alternativos, reconhecidos pelo Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA), abandonando assim uso de seres vivos. As empresas terão até setembro de 2019 para abolir totalmente os testes com animais que já foram reconhecidos.
A pele em 3D tem a composição muito mais próxima da pele humana e pode substituir o uso de animais, principalmente em testes realizados pela indústria de cosméticos.
Referências
- ANDRADE, A., PINTO, SC., and OLIVEIRA, RS., orgs. Animais de Laboratório: criação e experimentação. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2002. http://books.scielo.org
- ANVISA – http://portal.anvisa.gov.br
- Cruelty Free International – https://www.crueltyfreeinternational.org
- Fiocruz – https://portal.fiocruz.br/noticia
- Guia brasileiro de produção, manutenção ou utilização de animais em atividades de ensino ou pesquisa científica –http://www.mctic.gov.br
- National Centre for the Replacement, Refinement and Reduction of Animals in Research – https://www.nc3rs.org.uk/the-3rs
- Speaking of research https://speakingofresearch.com/facts/statistics/
- Universidade Feevale – https://www.feevale.br/acontece/noticias
- University College London – http://www.ucl.ac.uk
- USP – https://jornal.usp.br/ciencias
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