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Células-tronco hematopoiéticas: estudo da UFMG explora o cultivo em laboratório

23/03/2017
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Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG e de instituições dos Estados Unidos e do Japão estudam os sinais químicos relacionados com a reprodução de células-tronco hematopoiéticas. As descobertas devem abrir caminho para seu cultivo em laboratório e aumentar as chances de sucesso dos transplantes de medula óssea.

E essas descobertas acabam de ser publicadas na revista Nature Cell Biology pelo professor Alexander Birbrair, do Departamento de Patologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB).

Para saber um pouco mais sobre esses estudos, confira a entrevista realizada pelo portal LabNetwork com o pesquisador.

O que levou sua equipe a desenvolver essa pesquisa?

Alexander Birbrair – As células-tronco têm a capacidade de formar todas as células do sangue no indivíduo adulto. Diferentemente de outras células-tronco, as hematopoiéticas ainda não são obtidas eficientemente por multiplicação in vitro, já que, quando reproduzidas artificialmente, perdem a capacidade de formar todas as células sanguíneas. Para criar esse ambiente artificial, precisamos compreender muito bem como funcionam no organismo vivo dentro dos ossos. Por isso, temos estudado os nichos onde elas se localizam, já que o osso é formado de várias estruturas e possui diferentes tipos de células. Assim, neste estudo nós descobrimos quais células e sinais são importantes dentro dos ossos para a manutenção e crescimento das células-tronco hematopoiéticas.

Quais as descobertas do trabalho conduzido em seu laboratório?

Alexander Birbrair – Entre as descobertas do nosso trabalho está a presença, em locais específicos da estrutura óssea, de um tipo especial de célula, os pericitos. As células se comunicam entre si por emissão de vários sinais químicos, como proteínas e citocinas. Observamos que os pericitos localizados nas arteríolas e nos sinusoides dos ossos se comunicam, respectivamente, com um dos tipos de células-tronco hematopoiéticas e enviam mensagens diferentes, levando a comportamentos distintos. De acordo com o trabalho, as células-tronco hematopoiéticas dormentes ficam especificamente perto das arteríolas, e as outras, dos sinusoides. A nossa equipe também descobriu que os pericitos localizados nos sinusoides sinalizam com a citocina stem cell factor (SCF), enquanto aqueles alojados nas arteríolas com a citocina CXCL12. Investigamos se a citocina (o sinal) CXCL12 é importante para a manutenção das células-tronco hematopoiéticas derivada de todos os pericitos, e vimos que não. Cada tipo de pericito é importante em seu microambiente vascular. Testes foram realizados com modelos de animais transgênicos, manipulados para evitar que os pericitos arteriolares produzissem a CXCL12. Observamos que, quando removemos essa citocina dos pericitos arteriolares, as células-tronco hematopoiéticas desapareciam. Trata-se, portanto, de um sinal muito importante para mantê-las no estado de dormência nas arteríolas.

Que outros aspectos relevantes de sua pesquisa o senhor poderia destacar?

Alexander Birbrair – Vale destacar que a origem de todas as células do sangue – leucócitos, hemácias, neutrófilos, entre outras – está nas células-tronco hematopoiéticas, que surgem no desenvolvimento do feto, a partir de células endoteliais, e raramente são formadas novamente na fase adulta. O organismo as mantém protegidas em lugares muito especiais. No indivíduo adulto, a maior parte delas está na medula óssea e algumas poucas no baço. Ao se multiplicar, as células-tronco hematopoiéticas superpotentes geram células maduras, que têm pouco tempo de vida – toda hemácia dura apenas 120 dias no sangue – e forma apenas uma idêntica à original, chamada “superpotente”, que se mantém dormente ou adormecida. O organismo sempre tenta manter uma reserva de células com esse potencial, mas essa regulação depende muito do microambiente. Dentro da medula óssea, é garantido que o processo vai ocorrer. O mesmo não se dá no pratinho de laboratório, por isso estamos estudando maneiras para mimetizar esse ambiente, com todas as sinalizações químicas, para vislumbrarmos a possibilidade de um cultivo artificial.

E do ponto de vista evolutivo, o que se descobriu?

Alexander Birbrair – Do ponto de vista evolutivo, pode ser mais vantajosa a diferenciação em tipos de células com funções diversas, como proteção e oxigenação. Contudo, como nenhuma outra célula no organismo consegue dar origem às células-tronco hematopoiéticas, é fundamental que no processo de proliferação ocorra a formação de uma célula igual, que mantenha a característica de superpotência em uma reserva de células presentes no organismo. Pois a diminuição destas células vai levar à diminuição consequente de todas as outras células do sangue. A possibilidade de expandir as células-tronco hematopoiéticas em ambiente artificial pode levar à criação de banco de células, o que facilitaria o tratamento de pacientes com leucemia. Apesar dos avanços na área, é difícil encontrar doador compatível, e a quantidade desse material é pequena. Algumas pessoas precisam de um segundo transplante de medula.

Qual a importância das descobertas no tratamento da leucemia?

Alexander Birbrair – Há 30 anos a leucemia não tinha tratamento. Hoje, medicamentos acabam com as células tumorais, mas infelizmente também com as células normais do organismo, as quais devem ser reconstituídas através de transplantes de células-tronco hematopoiéticas. O transplante de células-tronco hematopoiéticas consiste na infusão intravenosa destas células provenientes de um doador compatível, com o intuito de restabelecer a função medular e imune. Estes transplantes vêm sendo usados para a cura de diversas patologias, como doenças hematológicas malignas e não malignas, imunodeficiências, erros inatos do metabolismo e tumores sólidos. Este procedimento consiste na infusão de células-tronco hematopoiéticas de um doador. Para que o enxerto tenha sucesso é fundamental que as células infundidas proliferem e formem todas as células do sangue no receptor. As células-tronco hematopoiéticas utilizadas no transplante são obtidas da medula óssea, sangue periférico ou de cordão umbilical. Desde a década passada o número de transplante de células-tronco hematopoiéticas vem apresentando aumento expressivo. Nos últimos 30 anos, os estudos relacionados ao transplante de células-tronco hematopoiéticas em várias áreas do conhecimento contribuíram para o aprimoramento dos procedimentos técnicos desta modalidade terapêutica, deixando de ser uma estratégia experimental para ser um método convencional no tratamento de diversas doenças, principalmente relacionadas à oncologia e hematologia. A principal limitação que ainda existe é o número de células-tronco hematopoiéticas que é muitas vezes insuficiente. Assim, se aprendermos como cultivar, expandir e manter estas células em laboratório, melhoraríamos muito a eficiência destes transplantes.

O que é necessário para que isso ocorra?

Alexander Birbrair – Para isto necessitamos entender como isto ocorre no seu ambiente natural (dentro dos nossos ossos). É muito importante desvendar exatamente o que acontece no microambiente da medula óssea, quais são os sinais importantes além das citocinas que já descobrimos? Será que são só os pericitos que são importantes ou outras células também têm papéis essenciais?  No futuro dessas pesquisas, além de tentar trazer este microambiente para fora dos ossos e tentar mimetizar isso em um pratinho de laboratório, também vamos explorar outras células, suas funções e sua comunicação. Realmente dissecar este nicho das células-tronco hematopoiéticas, ver qual a complexidade deste e entender como podemos fazer isso artificialmente para a cada dia avançar para uma possível cura destas doenças.

Que avanços já se pode observar?

Alexander Birbrair – Um enorme avanço foi realizado com este artigo na nossa compreensão da importância e a complexidade do microambiente na medula óssea na função das células-tronco hematopoiéticas e para a saúde do organismo como um todo. No entanto, apesar deste progresso, acreditamos que o melhor ainda está por vir, quando conseguirmos traduzir os nossos conhecimentos para a clínica.

Qual a relevância dos resultados obtidos até agora?

Alexander Birbrair – As células-tronco hematopoiéticas já conseguem curar pacientes após o transplante de medula óssea. O grande problema ainda é a obtenção de números suficientes destas células. Os transplantes de medula óssea, cujo número tem apresentado aumento expressivo, vêm sendo usados para a cura de diversas patologias, como doenças hematológicas malignas e não malignas, como leucemia, imunodeficiências, erros inatos do metabolismo e tumores sólidos. Este trabalho poderá ajudar no futuro pacientes que passam por quimioterapia. Estes pacientes necessitam urgentemente de transplante de medula óssea, o qual contem células-tronco hematopoiéticas. Assim, se descobrirmos a maneira que estas células são mantidas nos nossos órgãos e conseguirmos fazer o mesmo no laboratório, poderemos ter bancos disponíveis para ajudar estes pacientes.

Quais os próximos passos?

Alexander Birbrair – Nós ainda estamos trabalhando com ciência básica em camundongos, mas quanto mais investimento vier para a nossa e para outras pesquisas relevantes de ciência básica no país, mais rápidos estes resultados poderão ajudar pacientes na clínica. No momento estamos buscando doações e patrocínios para acelerar mais as nossas pesquisas. Os próximos passos desses estudos são tentar mimetizar o microambiente da medula óssea que existe dentro dos nossos ossos, agora em laboratório para cultivar as células-tronco hematopoiéticas.

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